sábado, 28 de fevereiro de 2015

DIVIDIDO: O QUE EU QUERO FAZER E O QUE EU DEVO FAZER.

Acordei pela manhã ao lado da fogueira apagada. Num pulo, estava de pé, atento ao meu redor, procurando ter certeza de que ainda estava sozinho. Nas primeiras noites em que me arrisquei a dormir em um lugar desconhecido, sempre acordava com algo faltando, às vezes era uma bota, noutra todo o meu dinheiro. Cheguei a perder minha espada e meu escudo! Felizmente os recuperei antes que o ladrão os vendesse a alguém de quem eu não pudesse comprar de volta. Ufa! Foi um sufoco aquele dia! Desde então, quando vou dormir, procuro algum lugar calmo, afastado de vilas e cidades, que não tenha sinais de animais grandes ou pessoas e, depois de conseguir um pouco de lenha, faço uma pequena fogueira para tentar me manter aquecido durante a noite. Eu já tentei carregar comigo uma armação para fazer um barraquinha... foi a primeira coisa que me roubaram... com ela armada! Heh, viver nas terras selvagens e ir de um reino a outro sem conhecer ninguém é realmente complicado.

Me alivio no matinho, checo novamente se tudo está no lugar e verifico o mapa da região. Se tudo estivesse correto, eu chegaria a montanha dos lagartos de espinhos até o meio-dia. Os lagartos que vivem nesse lugar perfuram o solo em busca de metais que são usados em suas grossas carapaças e eventualmente deixam pedaços dela por todo lado, seja por brigas ou porque precisavam renovar as escamas. Nenhum outro animal consegue fazer o que eles fazem! O metal fica praticamente sem impureza nenhuma e para obter uma boa arma é preciso ter os melhores materiais. Se eu conseguir uns quatro ou cinco quilos, posso levá-los para o ferreiro mais próximo, trocar um pouco pela mão de obra e usar o resto para uma espada... quem sabe uma adaga, afinal, força não é um dos meus atributos mesmo. Parece que fora ontem que eu deixara a minha vila, que fizera dezoito anos e minha mãe me dera o velho armamento do vovô, uma espada velha, feita do mesmo metal que procuro, praticamente nova! E um escudo, um pouco pesado pra mim, feito de madeira com moldura de metal. Este último está meio acabado, cheio de marcas de golpes de espadas e buracos de flechas, mas permanece íntegro e ainda poderia aguentar uma bola de fogo ou duas. Espero não ter que enfrentar um mago pra ter certeza...

O caminho pela frente é longo, tortuoso e não me demorei mais. Talvez eu tivesse perdido uma ou duas horas da manhã - meu sono é tão pesado, que mesmo se uma manada de paquidermes de seis toneladas cada estourasse perto de mim, eu não acordaria - e chegar ao local marcado pudesse passar da hora do almoço. Estava preocupado, caso eu tivesse que entrar numa luta passando fome eu não teria chance alguma. A região não era de árvores frutíferas e não a conhecia para saber se realmente poderia haver alguma ou não. Era a minha primeira vez fora de casa, minha primeira aventura seguindo os passos do meu avô, um aventureiro como eu que por vezes conseguia um trabalhinho aqui, um servicinho ali, salvando princesas indefesas e matando dragões ferozes. Acho que boa parte do que meu avô me contava era mentira, talvez ele apenas tivesse feito parte de algum exército comum, conseguindo assim as marcas no escudo e quem sabe a espada esteja nova por ele nunca chegou a usá-la. Admito, também penso que o que eu fiz mesmo foi me meter numa grande enrascada sem precedentes e que eu possa acabar morto por não ter pisado no lugar certo, sem que ninguém, ao não ser as aves carniceiras, pudesse encontrar meu cadáver. Urgh... Sinto calafrios só de pensar!

Vejo no alto algumas aves de fogo aproveitando o calor dos dois sóis para se aquecer e acender seu típico rastro luminoso seguido por um filete de fumaça pelo azul do céu. Pelo que meu avô dizia, ele também havia visto estas aves ao se aproximar do ninho dos lagartos. Como um não tem problemas com o outro, eles convivem perfeitamente bem: os lagartos de espinhos avisam se um animal desconhecido se aproximar das florestas por terra e as aves sibilam, acuando qualquer intruso que possa ser visto do céu. O ferreiro iria adorar ver uma pena ou duas destas aves para colocar numa arma, pena que eu não tenho luvas de couro de salamandra ou bálsamos contra queimaduras... Por enquanto, o metal dos lagartos de espinhos é o único material raro que eu posso encontrar... Isto é, se eu encontrar! O vovô me disse que este lugar era meio isolado, mas pelo que pude ver, a vila mais próxima cresceu, virando uma grande cidade, tomando alguns quilômetros mata a dentro, quase que não consigo atravessá-la antes do anoitecer!

Certo, cabeça fria! Pela vontades dos deuses eu irei sair daqui com o meu pequeno tesouro e conseguir a minha primeira arma... que não tenha sido de mais ninguém... Pensando bem, será que mais ninguém está atrás do metal dos lagartos de espinhos? E se tiver alguém lá quando eu chegar? E se os lagartos não gostarem de mim? Pelo deuses! O que eu faço?! Eu tenho pouca prática em usar a aura para me defender! Certo, respira, respira, respira... Você consegue, cara, você consegue!

Diante de mim vejo um penhasco com cerca de vinte metros de profundidade com um rio largo lá embaixo. Olho para os lados e não vejo ponte ou árvore que pudesse me levar até o outro lado, são pelo menos trinta metros de distância. Eu poderia descer, nadar até o outro lado e subir de volta, no entanto, a correnteza se mostra muito forte, mesmo que eu consiga atravessar com esse escudo pesado - o que eu duvido muito - como vou trazer o metal comigo?! ARGH! Eu não vim até aqui pra morrer na praia! Quero dizer, ficar no penhasco! Vou ter que tomar outra direção, espero que a nascente não esteja muito longe da montanha... vou acabar demorando mais do que deveria... e morrer de fome... Puta merda! Mantenha a fé, mantenha a fé! Puta merda...


Acordo pela manhã, atordoado pelo barulho do despertador, arrependido por não poder sonhar mais um pouco. Me levanto sôfrego, vou até o banheiro e escovo os dentes. Eu não queria ter que me levantar, mas é o que eu preciso fazer todas as manhãs. Troco de roupa e coloco o uniforme da loja, uma camisa polo vermelha com o logotipo da empresa bordado em amarelo sobre o peito esquerdo. Respiro fundo, não tenho fome. A maioria das pessoas já estaria no segundo lanche naquela hora, porém, o que sinto mesmo é o meu estômago embrulhado, cheio de ansiedade e arrependimento.

Saio de casa, viro algumas esquinas e chego ao ponto de ônibus. Não demora muito e a condução chega, R$3,50 de passagem e fico de pé, apertado - o ônibus está lotado. Dentre uns quinze minutos chego ao Terminal de Ônibus, desço como todo mundo, quase corrento, atravessando para a outra plataforma para esperar o ônibus duplo sanfonado que vai até o centro da cidade. Uma fila enorme me esperava. Estava atrasado e havia um ônibus saindo. Assim que a fila terminou de entrar e a fila para o próximo ônibus se posicionava, entrei no ônibus que já estava partindo. Novamente me vejo no meio de várias pessoas, não há lugar para me escorar, fico em pé numa posição desconfortável, tentando olhar pela janela e aproveitar a paisagem que vejo todos os dias. Um novo prédio começou a ser construído, interessante...

O ônibus se aproxima do meu ponto, dou sinal e, depois que ele para, desço com mais dez pessoas  que nunca vi na vida. Atravesso a rua e ando algumas quadras e chego a loja. O gerente me recebe com uma bronca:

- Você está atrasado...

- Desculpe-me, isso não irá se repetir... - tento me explicar, mas o gerente não estava de bom humor.

- É o que todo mundo diz! O José e a Laura faltaram hoje, serviço dobrado pra todos.

- Certo...

Fico quieto no meu lugar, esperando um cliente entrar na loja, ainda estava muito cedo e o movimento estava fraco. Duas horas depois o movimento muda, todos os vendedores começam a ficar ocupados constantemente e a falta daqueles dois começa a ser sentida. Eles são os melhores vendedores da loja e o gerente acaba fazendo vista grossa pra eles de vez em quando. Ele também adora tomá-los como exemplo para os demais vendedores, era como se eles conseguissem vender a loja inteira em um dia, enquanto eu levaria pelo menos um ano para fazer o mesmo. Eu sempre fico despreocupado, deixo o cliente escolher por conta própria, vejo atentamente o que ele quer e precisa. Ufa! Uma venda feita! Poucos minutos depois outro cliente aparece, este tem olhar de quem está em dúvida, apenas olhando. "Sem pressa, sem presa", eu penso. Ele abre a boca e me pergunta sobre o preço e eu lhe digo quanto custa. A dúvida ainda pairava sobre seu semblante. O gerente passa, fica de olho em mim com aqueles olhos de águia, me observando de longe, vendo se eu estou fazendo tudo direitinho. O cliente deixa a loja e vai para outra. Olho para o gerente e viro meu olhar rapidamente, pois ele estava fazendo aquela cara de "Por que você deixou o cliente ir embora?!". Eu respiro fundo, eu tenho meu próprio ritmo e eu não estou nenhum pouco a fim de ir além disso. Eu me sinto estranho conversando com outras pessoas, um pouco intimidado, entende? Eu mal consigo olhar nos olhos dos clientes, sempre acabo agindo mais por autocondicionamento do que por vontade própria. Passo meu dias assim, sentindo esse incomodo de que não estou no lugar certo, de estou indo e vindo sem sair do lugar,  completamente perdido. Eu deveria me importar?

No horário de almoço, sou o último a sair. Vou a um restaurante self-service baratinho, escolho o que mais me agrada e me sento a mesa, solitário, pensando na vida. Peço ao garçom uma latinha de refrigerante depois de chamar sua atenção duas vezes. Talvez eu não devesse ter colocado tanta comida, já me sinto satisfeito e ainda falta um bocado no prato. Deixo a mesa e levo a latinha comigo. Uso o vale refeição no caixa e volto para o meu lugar na loja. Suspiro, tenho que continuar até o fim do dia.

Consegui mais duas vendas, coisas pequenas. Passo na sala do RH no fim do dia e pego o pagamento da semana. Noto uma nova diminuição do pagamento e vou falar com o gerente. Ele me dá desculpas, fala que a loja não está passando por uma época muito boa, que é preciso aguentar firme... Jogo na cara dele que o José e a Laura ganham cinco vezes mais que eu e só aparecem uma ou duas vezes por semana. Ele retruca me dizendo que eu não estou vendendo o suficiente e que eu posso ser despedido. Desisto. Passo no RH novamente e peço minhas contas. Eu não consigo ser um vendedor melhor do que aqueles dois afinal...

Vou para o ponto de ônibus triste, a fila está enorme, há pelo menos três filas de espera para os próximos ônibus. Suspiro. Dou meia volta e vou em direção a outro ponto de ônibus, este fica mais longe, é uma boa andada até lá, mas não fica tão lotado quanto aquele e eu posso ficar sentado a viagem inteira. O tempo até que eu chegasse em casa ficou em torno de três horas no fim das contas.

Chego ao portão de casa cansado, com a cabeça cheia, imaginando quando eu conseguiria um novo emprego. Dentro de casa vejo que meus pais compraram um fogão novo. Eles estão felizes que eu estou trabalhando e resolveram comemorar. Eu respiro fundo:

- Devolvam! - digo, resoluto.

- Mas...

- Devolvam! - repito, com mais raiva.

- Por quê?

- Não vou pagar por isso, saí do emprego...

- E agora? Já jogamos fora o fogão antigo... - diz meu pai.

- Merda! Será que vocês não podem pensar um pouco antes de ficar gastando dinheiro! CARALHO! - perco a paciência e viro a mesa com tudo que está em cima dela.

Meus pais ficam calados. Arranco a camiseta da loja pela cabeça e jogo fora. Coloco outra camisa e saio de casa.

- Aonde você vai? - pergunta minha mãe, aflita.

- Não sei! - grito pra ela.

Saio pelas ruas, andando sem rumo, sem saber o que fazer da minha vida. Quem sabe eu devesse cometer suicídio... É tão fácil pensar que isso resolve tudo! Quem sabe resolva...

Continuo andando, passo umas três horas andando, procurando lembrar de algum lugar que fosse interessante ir naquele horário tarde da noite. Fico cansado e resolvo tomar um ônibus para voltar pra casa.

Meus pais já estão dormindo, tomo um banho e visto uma roupa velha pra ir dormir. Na manhã seguinte, acordo sem querer acordar e fico me revirando. Penso que a vida deveria ter sido diferente, que eu fiz as escolhas erradas, que eu queria voltar a ser uma criança sem responsabilidades. Passo o dia inteiro na cama, não quero me levantar, não tenho motivos para me levantar... não tenho bons motivos para me levantar.

No dia seguinte, acordo cedo, tomo banho e coloco uma roupa pra sair. Minha mãe me vê saindo e pergunta:

- Vai aonde?

- Procurar emprego...


Agora que você leu estas duas histórias, talvez eu possa continuar a falar sobre a minha história. Se é que alguém se interessa por isso...

Escrevi estas duas histórias porque: o que eu quero fazer é escrever, gosto do estilo medieval fantástico e retratei o dia de um personagem comum, iniciante, que está aprendendo a lidar com o mundo ao seu redor e não tem que prestar contas a ninguém, ele faz o que quer, quando quer e pode ir a lugares fantásticos, um símbolo de liberdade, por assim dizer. Na segunda história retrato mais ou menos o que aconteceria comigo se eu conseguisse um emprego, o que eu deveria fazer, usando situações que já aconteceram comigo e tendem a se repetir. Eu realmente não lido bem com pessoas, não gosto da ideia de ter mais vontade de ir embora do que em chegar ao trabalho, não gosto de ficar preso nessa rotina sem sentido e definitivamente eu ficaria estressado... Na verdade, eu estou sempre estressado, tenho vontade de matar alguém, de ficar batendo repetidas vezes em seu cadáver só para gastar toda a raiva que venho acumulando. O mundo não faz sentido pra mim. Isso sem contar que a parte sobre os meu pais é bem parecida com a realidade, só que ao invés de fogão novo, que até não seria uma má ideia, uma vez que o nosso fogão tem mais de 15 anos de uso; meu pai inventou que quer vender queijos produzidos no Ceará e trazê-los para São Paulo junto de outras mercadorias, como carnes incomuns e exóticas. O único problema é que ele esta gastando mais dinheiro do que deveria! Eu nunca vi ele fazendo uma única conta de quanto ele vai conseguir se vender todos os queijos, ir morar no Ceará foi um completo fiasco, gastamos todo o dinheiro que foi conseguido com a venda de um terreno em outra cidade, e ele não percebe que está gastando dinheiro que não tem! Meu irmão é que está trabalhando de verdade aqui em casa e acumulou um boa quantia nos últimos meses e, como se não bastasse, meu pai está pegando dinheiro com o irmão dele para poder comprar a cama que está faltando, já que só há três camas para cinco pessoas na minha casa. Não, o pior não é isso... Ele está pensando em pegar um empréstimo no banco! Eu digo pra ele: "Pra pagar com que dinheiro?! Não pode esperar pelo menos pela aposentadoria da mãe, não?!" Como se ele ligasse... Argh...

No meio dessa confusão, sem dinheiro, sem saber o que fazer da minha vida, eu preciso encontrar um emprego, não tenho nenhuma formação que me possibilite um encaminhamento e, a cada dia que passa, me sinto mais alienado, perdendo a noção do tempo... Não tenho coragem pra realmente dar duro e escrever um livro atrás do outro, toda vez que me sinto pronto pra escrever, minha mãe me lembra que eu tenho que ir trabalhar, encontrar um emprego... É frustrante!

Nos últimos dias nem consigo pensar em comer direito, tenho apenas almoçado fora de hora e comido qualquer coisa como lanche para o jantar. Eu não consigo sentir fome... Vejo pessoas dizendo que já querem almoçar antes do meio-dia e não consigo entender como podem ter tanta vontade de comer... De certo que eu acabo almoçando mais de cinco horas da tarde, mesmo assim...

Não tenho ânimo para viver, nem estou depressivo o suficiente para fazer alguma besteira... - pensar assim já virou um hábito. O mês está acabando, está é a 10ª publicação no blog e não consigo ver valor algum na minha vida. Talvez ela não tenha nenhum mesmo...

Já não espero que haja alguma resposta para minhas angustias e devo ficar sem comentar sobre isso por um tempo, está ficando chato demais ser apenas chato... Tenho alguns textos antigos que nunca usei, gostaria de reciclar e publicar no blog no mês de Março, e, quem sabe, eu consiga juntar coragem pra escrever um livro no mês de Abril... Talvez seja melhor esquecer esse último, cortar meus dedos fora e me declarar insano logo...

Não sou feliz e não pertenço a lugar nenhum...
Até a próxima... Eu acho...
Tudo o que eu queria era ter o direito de ser eu mesmo... mas isso não passa de uma grande mentira...


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