segunda-feira, 23 de fevereiro de 2015

CRÔNICA: NADA É IMPOSSÍVEL, CONTUDO, SOMOS LIMITADOS

Aquela velha frase daqueles que tiveram sucesso: "Nada é impossível". Será mesmo? Ou isso só quer dizer que a maioria dos seres humanos é preguiçosa e quando deveria continuar batalhando para conseguir alcançar seus sonhos, desiste antes mesmo de chegar na metade do caminho? É de se pensar...

Estive imaginando o quanto crescer num ambiente limitado pode te tornar limitado. Claro, isso é relativo, existem pessoas que tinham pouco e hoje tem muito, da mesma forma que pessoas que tinham muito não possuem quase nada hoje. Mas, o que quero dizer é, com relação a temática do blog, falando sobre mundo ideais e fictícios, o quanto será que as limitações influenciam na capacidade de alguém ultrapassar suas limitações ou, pelo contrário, se limitarem mais ainda?

Penso nisso porque vejo em São Paulo, uma das cidades mais superpopulosas do mundo, pouquíssimos espaços para crescer. Na rua onde moro atualmente, boa parte das casas não possuem quintal e vejo as crianças saírem para brincarem nas ruas. Se por um lado isso dá a liberdade para a criança crescer, correr, brincar, etc., isso também dá a elas vazão para fazerem o que quiserem, uma vez que os pais costumam "estar ocupados demais para cuidar dos filhos o tempo todo". O ideal, deveras, era poder crescer de forma saudável, mas acho difícil simplesmente dizer que isso acontece por causa dessa limitação de espaço. E não são poucas pessoas, são milhões de pessoas que crescem de "forma irregular".

Eu, por exemplo, não tive o problema de crescer sem espaço, até pouco tempo atrás eu não vivia cercado por casas, eu podia ver São Paulo de forma livre e observar o horizonte. Agora, o "progresso" chegou, minha casa foi modificada e o meu espaço, limitado. Ou seja, isso não fazia parte da minha maneira de ver o mundo e ainda tenho que me acostumar com a ideia de que não sou mais livre, estou rodeado por paredes. Em contrapartida, não é essa a minha limitação...

Tenho duas grandes limitações: família e dinheiro. Enquanto há pessoas que são extremamente felizes com a família que tem, que não trocariam nenhum parente por nada nesse mundo, eu gostaria que pelo menos uma pessoa na minha família tivesse trilhado "o caminho ideal" da vida. Tivesse feito faculdade, conseguisse ter sucesso em sua profissão e fosse um exemplo para os outros. Ninguém da minha família, entre pais, tios e tias, fez isso: cursou a faculdade, trabalhou para conseguir o sucesso e hoje é uma referência na profissão; diferente disso, a maioria trabalha por conta, faz o seu próprio trabalho e vive do jeito que der, ganhando o quanto pode, sempre vivendo disso e daquilo, nunca de forma uniforme, por assim dizer. Eles trabalham duro, vão trabalhar constantemente e sempre garantem o dinheiro no final do mês, não estou contestando isso. Estou dizendo que para eles estudar não é algo importante, nem nunca foi, nunca tiveram dores de cabeça para passar no vestibular, não sabem o que é um trabalho de conclusão de curso e muito menos sabem do que se trata o conteúdo de uma faculdade. São mundos completamente diferentes... e adivinhe de que lado eu gostaria de estar? Vou dar uma dica, não é com eles...

O outro fator que limitou a minha vida, como disse antes, foi o dinheiro. Minha mãe é "dona de casa" e meu pai vive de forma tão indefinida que eu não consigo dar um nome, atualmente ele é vendedor de queijos que traz do Ceará (OBS.: Não temos dinheiro para comprar esses benditos queijos e mesmo assim ele quer continuar com isso). Os dois não terminaram a escola e, quando eu tive a oportunidade de entrar numa escola técnica, como filho mais velho, me disseram não, que ia ser caro, algo assim. Meus irmãos não tiveram a mesma sorte, eles cursaram a escola técnica e hoje são técnicos em administração (meu irmão) e eletrônica (minha irmã). Eu tentei Design de Interiores, pois era um curso parecido com a Arquitetura, curso que me interessava, e acabou que o custo para o material do curso estava muito fora do orçamento familiar. Eu precisava de pelo menos uma prancheta para prosseguir normalmente (neste caso, prancheta é uma mesa grande, inclinável, com uma régua paralela, grande, que vai praticamente de um lado ao outro dessa mesa na horizontal, vide imagem).


Isto sem contar que na época não tínhamos computador, se eu quisesse fazer uma pesquisa eu precisava ir até uma Lan House, gastar algo em torno de R$6 por 6 horas de internet (isso era um pacote, e só ficava disponível pela manhã, fora desse horário o preço era de R$2 a hora). Eu nem fazia ideia do que realmente era uma pesquisa, pra mim era tudo "copie e cole, leia se possível". Vi várias Lan Houses abrirem na época e praticamente nenhuma sobrar hoje em dia - incluindo a Lan House onde eu pagava barato, que fechou no meu segundo semestre. Além de não ter acesso ao material físico para poder fazer o curso, eu não tinha acesso ao material de pesquisa e, para se concluir o curso de Design de Interiores, isso não poderia faltar!

Eu trabalhei durante um bom tempo como vendedor, no começo, entre 12 e 15 anos (não lembro ao certo) era apenas aos sábados, posteriormente eu viria a trabalhar também de segunda a sexta após o horário de aulas. Antes de começar o 3º ano do ensino médio, porém, eu não quis mais trabalhar, aquilo não era vida pra mim... Em suma, eu tive bastante dinheiro durante essa época, afinal era tudo pra mim, e quando precisei para o curso, não sobrou nada...

O dinheiro é uma limitação traiçoeira, e por isso há pessoas que, mesmo sem serem gananciosas, sabem que tudo é dinheiro. O dinheiro é o que nos possibilidade trocar, de uma forma comum, trabalho e produto. Você trabalha e assim pode adquirir produtos necessários a vida e ao lazer - essa é a regra da sociedade. Fora dela, a única forma alternativa possível seria conviver numa sociedade em que a troca seria sempre justa, ninguém precisaria do dinheiro pra nada, não haveria fome, sede, todo mundo se ajudaria - o que é improvável. Senão, viveríamos como selvagens, se alguém passasse fome e eu tivesse uma propriedade com produção farta, provavelmente eu seria roubado ou alguém iria querer tomar para si a minha propriedade - o que seria o mesmo caos da antiguidade, onde se dizia que metade da população era constituída por ladrões. O dinheiro se tornou a melhor tentativa até hoje de convivermos de forma comum, apesar de ser o mesmo dinheiro que cause tanta diferença entre as pessoas e as chamadas classes sociais. O dinheiro nos liberta, ao passo que nos limita...

Antes de fazer minhas últimas considerações, eu gostaria de citar o efeito positivo que viver sem limitações no bom sentido pode causar: Bibi Ferreira - atriz, cantora, diretora e compositora brasileira, filha do ator Procópio Ferreira e da bailarina Aída Izquierdo, tendo hoje 92 anos e boa parte deles no palco. Não digo que ela não tivesse as limitações e os problemas que todo mundo tem, que não tivesse batalhado para estar no lugar em que está, mas, o que ela se tornou hoje já vem de família e de como ela cresceu. Me lembro dela comentar que sua carreira como atriz começou sem querer ainda muito jovem, pois teria contracenado numa peça como boneca na última hora, algo assim, e que vivia rodeada pelos amigos artistas dos pais. Era praticamente como se o teatro, seu local de trabalho, tivesse sido seu destino desde o começo. No meio de uma família de artistas é natural que isso aconteça e isso só aumentou as possibilidades para ela ser o ícone que é hoje. Não há a menor possibilidade para Bibi viver fora do palco, é lá que ela se realiza e vive a plenitude do seu ser. Todos nós procuramos por uma vida assim... por que não conseguimos encontrar?


Eu só sei que, apesar de não ter pais que se importem com o que eu faço, de não ter dinheiro ou trabalho para seguir em frente, de nem ao menos saber quem são as pessoas que irão ler este pequeno texto, eu queria ter a certeza de que estou no caminho certo, de que não estou sendo preguiçoso por estar em dúvida entre começar a trabalhar sem saber com o quê ou continuar a ser um simples blogueiro que escreve porque gosta. Eu estou rodeado por pessoas que só sabem trabalhar e trabalhar, que trabalham porque precisam, que apenas trabalham... Simples assim, sem ter algum sentido ou razão interior.

Onde eu trabalhei, meus tios já trabalhavam há umas duas décadas e trabalham até hoje. A mesma rotina, acordar cedo de segunda a sábado, exceto em feriados oficias - por vezes trabalhando em dias que a rua toda está praticamente fechada e eles estão lá, trabalhando. Voltam só a noite, às vezes se dando ao luxo de assistir a novela e/ou ao jornal da Globo e vão dormir. Aos sábados e determinados dias do ano ficam até as duas ou três horas da tarde e podem aproveitar um tempinho a mais com as esposas... Se é que se pode dizer isso depois de estarem cansados de uma longa semana de trabalho.  Férias? De vez em quando, raramente para ser mais preciso, eles se ajeitam para passar alguns dias sem trabalhar... Enfim, eles não tem faculdade, de origem pobre e pode-se dizer que progrediram em suas vidas, possuem casa própria e constituíram família...

Heh, me descobri a ovelha negra da família, não sou um rebelde sem causa, mas ainda assim um rebelde, alguém que luta sozinho para sair de suas limitações, para encontrar seu lugar, mesmo que ele não exista...

Eu não pertenço a lugar nenhum...
Até a próxima! :o]


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